
Nova York sempre foi um dos destinos que figurou entre os meus Top 5 de viagem. Sempre quis ir pra lá e ver se tudo o que as pessoas diziam era mesmo verdade. Queria comer em todos os restaurantes possíveis. Nobu, Morimoto, Burger Joint, Katz’s Deli, estava tudo na minha lista. Até que em 2012 planejamos a minha primeira ida para Nova York.
Naquele tempo a gente ainda viajava por 30 dias seguidos, o jeito que eu mais gosto de viajar. A viagem seria longa e o verdadeiro tour dos Estados Unidos. Começando por Nova York (a parte mais esperada da viagem), seguíamos depois para Los Angeles, San Francisco e New Orleans, com um cruzeiro pelo Caribe no meio. Em Nova York, apenas seis noites. Noites essas que estavam com programação até a tampa, sem muito espaço para cancelamentos ou mudanças de rota. Era muita coisa pra ver, fazer e comer, incluindo Natal e Ano Novo.
Três dias antes da viagem para Nova York, eu tive a famosa confraternização de fim de ano da empresa em que eu trabalhava, que foi em um hotel fazenda. Era um daqueles hotéis fazenda enormes, cheios de atividade, coisas pra fazer, tardes inteiras na piscina e com várias crianças.
A festa de confraternização durou duas ou três noites e eu chegaria em casa pela manhã e arrumaria tudo para partir pra Nova York na manhã seguinte, aquela famosa correria de viagem.
Na manhã que cheguei em casa, comecei a sentir algo incomodando na garganta e uma coceira leve nas palmas das mãos e solas dos pés. Preocupada, me consultei com dois médicos da família do Thiago, que moravam no mesmo bairro. Depois de me examinarem, eles começaram a rir: “Depois de adulta você pega doença de criança? Você está com coxsackie”.
A coxsackie, mais conhecida como doença da mão-pé-boca, é algo muito comum entre crianças e raro entre adultos. É uma doença simples, mas que tem sintomas muito irritantes, como formação de muitas aftas na boca e garganta, e pequenas bolhas nas mãos e pés que coçam demais.
-Demora pra passar? – perguntei.
-Em geral, passa após sete dias.
Sete dias. O tempo que eu tinha em Nova York. E lá estava eu, com 24 anos e uma doença infantil que possivelmente ia atrapalhar a minha sonhada viagem pra comer até morrer em Nova York.
Já no avião senti que aquela não seria uma viagem fácil. Eu tive um pouco de febre e quando chegou a comida servida para os passageiros da classe econômica, eu não consegui comer. Não porque a comida estivesse ruim ou eu não tivesse fome, mas porque nada descia pela minha garganta. Tomei um refrigerante e chorei. De raiva.
Chegamos em Nova York. Dia frio, com um sol lindo, deixamos as malas no hotel e fomos explorar Manhattan. Eu queria um café da manhã de deli, daqueles com bagel, salmão defumado e tudo o que eu tinha direito, mas a única coisa que passou pela minha garganta machucada pela doença foi um smoothie. Na verdade, nem o smoothie era fácil de tomar, mas eu precisava de algo que desse alguma sustância pra eu não cair dura – de fome e ódio – no meio da Quinta Avenida.
Naquela tarde, a garganta começou a incomodar tanto que eu experimentei algo que nunca tinha sentido na vida – doía pra falar. Mas doía tanto que eu preferi fazer um voto de silêncio e passei uns três dias calada, sem conseguir falar com ninguém. Me comunicava por gestos e a cada lugar incrível que eu conhecia os olhos se enchiam de lágrima. Não era emoção, apesar de ter visto em Nova York alguns lugares bem incríveis – era raiva mesmo. Como isso poderia estar acontecendo na minha primeira viagem a Nova York? A mais sonhada, aquela que eu tinha feito reservas em restaurantes e juntado muito dinheiro pra comer onde eu quisesse? A vida, definitivamente, é injusta.
À noite, não me lembro bem se na primeira ou segunda, provavelmente véspera de Natal, havíamos reservado uma mesa em um restaurante italiano recomendadíssimo. Menu degustação e vinho pra todo mundo, exceto pra mim que não conseguia comer nada. Véspera de Natal, restaurante chique em Nova York e eu consegui comer meio prato da sopa mais rala do restaurante – e pra piorar – de canudinho, porque era impossível abrir a boca o suficiente para colocar uma colher.
O hotel cinco estrelas também não foi bem aproveitado. Lembra que eu falei da coceira nas mãos e nos pés? Na hora de dormir ela se espalhou pelo corpo inteiro, a ponto de eu achar que tinha pulga no quarto. Mas não tinha, era só a coxsackie se manifestando com força pelo meu corpo.
Os dias seguintes foram tão ruins quanto o primeiro. Sobrevivi a base de suco, smoothie e sopa, tudo de canudinho. E muito Listerine, pra tentar matar o vírus na marra. A reserva para o Nobu teve que ser adiada, pois eu não conseguiria aproveitar nada. Nem andar muito eu conseguia, já que as bolhas na sola do pé além de coçarem, também doíam. Um show de horror.
Depois de alguns dias, lá pelo quarto ou quinto dia de viagem, comecei a me sentir um pouco melhor e arrisquei um hambúrguer do Five Guys, que eu nunca tinha comido e estava com muita vontade. Foi a refeição mais demorada que fiz. Pra cada mini mordida no hambúrguer, a boca e a garganta ardiam muito e eu lembro de comer chorando. De dor mesmo, não de prazer.
No penúltimo e último dia de viagem, já um pouco melhor, concentrei os restaurantes bons e fui uma noite no Nobu e outra no Morimoto. Foram experiências incríveis. Além da comida, a sensação de comer algo depois de quatro dias à base de suco e sopa foi algo que me emocionou. Dessa vez chorei de feliz mesmo.
Melhorei de verdade, de não ter mais nenhum sintoma, estar com a boca bem, mãos e pés recuperados, ânimo e fome restaurados só no voo de Nova York para Los Angeles. Morrendo de fome, não havia nenhuma comida no voo de seis horas. Ironias da vida.
No resto da viagem – Los Angeles, San Francisco, New Orleans e no Caribe – eu compensei tudo o que não comi em Nova York.
A viagem ainda rendeu posts aqui no blog sobre comer em Nova York, baseado na maioria das vezes na experiência de outrem, não na minha.
Já voltei para Nova York depois disso em experiências bem melhores e menos dolorosas. Mas sempre que penso nessa viagem de Nova York, me dá vontade de chorar. Mas dessa vez de saudade.
‘Histórias de Viagem’ é uma experimento que faço aqui no blog, em que escrevo pequenas histórias da minha experiência, da minha perspectiva.
É onde arrisco, misturo realidade com fantasia e exercito o meu antigo sonho de ser escritora.
São histórias que tem como ponto de partida algo que vivi durante uma viagem, porém não há linha de chegada definida.
Deixo a escrita me levar, meus sentimentos me guiarem, boas histórias me influenciarem.
É onde coloco minha escrita de um ponto de vista pessoal, sem funcionalidade nem serviço, a escrita pelo prazer de escrever.
É o meu espaço de criar com liberdade e espero que essa narrativa seja agradável para você.
O post A viagem gastronômica frustrada pra Nova York – Histórias de Viagem #3 apareceu primeiro em Magali Viajante.